Alegria e Tristeza podem andar juntas
Ricardo Borges
8/2/2024


"Alegria e tristeza podem andar juntas", diz o escritor português José Sragamo pela boca de um dos personagens de Ensaio Sobre a Cegueira. Para muitos, é estranha a sensação de vivenciar sentimentos opostos ou bem diferentes, simultaneamente, como alegria e tristeza e raiva, tristeza e alívio, cansaço e ânimo. Isso acontece porque os sentimentos são produto das contingências, ou seja, das situações pelas quais passamos e contingências são complexas. Alguém que perdeu um pai violento, pode sentir-se aliviado e triste, ao mesmo tempo. Aguém que se desfez de um bem valioso herdado da avó falecida, e com a venda conseguiu comprar seu apartamento, pode se sentir feliz e triste, uma mãe que consegue o emprego dos sonhos pouco depois do primeiro filho nascer pode se sentir animada, alegre, preocupada e frustrada ao mesmo tempo.
Fomos ensinados a fazer análises muito simplistas sobre os sentimentos - e não só sobre sentimentos. Esse maniqueismo de "ou é isso ou é aquilo" empobrece as descrições e nos afasta da realidade complexa das coisas, dos eventos e das pessoas. As pessoas não são boas OU ruins, simplesmente. As situações não são vantajosas OU desvantajosas, simplesmente. As circunstâncias não se resumem em positivas OU negativas. E mais que isso, quando nos expressamos na nossa complexidade, dizendo sobre a diversidade de sentimentos, podemos ser taxados de incoerentes. Se em um momento dizemos sobre nossa felicidade e depois sobre nossa tristeza relativa à mesma situação, podemos ouvir coisa do tipo "se decida", "você está triste OU feliz?".
Quando entendemos a complexidade das contingências e consequentemente, das emoções que sentimentos, compreendemos perfeitamente se alguém nos disser que ama o emprego que tem, mas odeia trabalhar. Compreendo Seu Madruga, que diz que, para ele, não existe trabalho ruim, ruim é ter que trabalhar.
Sugestão de leitura
JOSÉ SARAMAGO - Ensaio Sobre a Cegueira